“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. O trecho presente na Constituição é bonito, mas eficaz apenas no papel. Apesar de ser garantido, é com muita luta que a população transexual consegue, aos poucos, acesso aos seus direitos.
No mês de agosto, foi realizada a primeira cirurgia de redesignação sexual na Bahia. O procedimento, que consiste em mudar as características sexuais/genitais de uma pessoa para aquelas socialmente associadas ao gênero com o qual ela se identifica, aconteceu em Salvador, no Hospital Universitário Professor Edgard Santos (Hupes), da Universidade Federal da Bahia (UFBA). A chegada da intervenção somente em 2023 traz um alerta para como a conquista de direitos da população transexual ainda caminha a passos lentos.
Apesar de soar esperançosa, a operação é fruto de muitos anos de espera. Em 2008, há mais de 13 anos atrás, a portaria com as diretrizes nacionais para o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS) foi publicada, mas são escassos e insuficientes os hospitais brasileiros que realizam a redesignação.
O Ministério da Saúde informou que existem somente nove hospitais ao redor de todo o território do país que realizam o processo transexualizador através do SUS, estando apenas um localizado na região Nordeste. Nenhum está na Bahia.
Pactuação
A primeira realização da cirurgia no estado aconteceu através de uma pactuação entre a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) e o Hupes. No acordo, somente seis cirurgias poderão ser realizadas por mês, em todo âmbito de procedimentos que compreende o processo transexualizador. Ou seja, a concessão não é destinada apenas para a redesignação, mas para diversas outras interferências, como tireoplastia, histerectomia e mastectomia.
A mulher trans, que foi operada na Bahia, esperou mais de dez anos pela cirurgia, após ser acompanhada por cinco anos pelo Ambulatório Transexualizador do Hupes. Com a escassez de hospitais habilitadoss, a realidade dela de aguardo não é única, como ilustrou Diego Nascimento, diretor da Associação Baiana de Travestis, Transexuais e Transgêneros em Ação (Atração) e do coletivo De Transs pra Frente.
“A gente recebe com muita felicidade esse resultado, mas o processo de saúde tem muito a caminhar. É um avanço pontual, só que temos dados de cerca de 500 pessoas acessando conjuntamente os ambulatórios e a grande maioria deseja fazer algum tipo de procedimento cirúrgico. Nessa velocidade, a fila hoje das pessoas que necessitam de procedimentos cirúrgicos só será finalizada em 20 anos”, disse.
Questionado sobre a pouca disponibilidade de cirurgias e a quantidade de pessoas na fila, o Hupes disse que, ao todo, 398 pessoas atendidas no ambulatório “manifestaram o desejo de fazer cirurgias”. No entanto, o hospital disse que o quantitativo “não se trata de uma fila”, pois os procedimentos requerem critérios, não atingido por todos. Não foi detalhado quais seriam as exigências e quantos estariam dentro dos pré-requisitos, apenas no aguardo da disponibilidade dos procedimentos.
Morosidade
O estado tem, atualmente, somente dois ambulatórios dedicados à saúde da população transexual, via SUS, no Hupes e no Hospital das Clínicas. Neles são oferecidos acompanhamentos dos mais diversos, como nutricional, psicológico, pré e pós operatório e hormonização. No entanto, as habilitações não permitem a realização de procedimentos.
No portal do Ministério da Saúde, o órgão informa que para a chegada das cirurgias nas localidades via Sistema Único “cabe aos gestores estaduais e municipais o planejamento para a estruturação da rede na atenção, credenciando os estabelecimentos de saúde, pactuando na Comissão Intergestores Bipartite (CIB) a habilitação do estabelecimento para que possam formalizar a solicitação ao Ministério da Saúde”.
O Hupes informou que a habilitação foi solicitada na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas foi negada. Segundo a assessoria, atualmente há o preparo da documentação necessária para habilitação, que será enviada para o governo do Estado e, posteriormente, para o Ministério da Saúde.
Diego Nascimento reforçou que a morosidade do processo, uma velha conhecida da luta trans, faz parte de todas as tentativas de avanço, mas a necessidade não será eliminada. “As identidades trans põem o diálogo na mesa e a sociedade não acompanha essa questão. É importante pontuar que ainda não há uma habilitação e isso segue sendo a principal demanda acerca das cirurgias. Tudo é extremamente limitado e almejamos a habilitação”, ressaltou. Informações do Metro1